quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Samilia

" Para meus filhos" disse T. " eu deixei meu império. Eles o despedaçaram com seus dentes e mataram uns aos outros sobre um monte de ruínas. Eu não choro por eles. Mas o que eu deixei para Samilia? Nem o marido que eu lhe prometi, nem a vida a que ela tinha direito. Onde ela está agora? Eu não sei nada de Samilia. Ela era minha única filha e não teve nada meu. Para S, eu talvez tenha deixado aquilo que eu sou. Mas Samilia é o elemento que eu deixei escapar. E ainda assim, foi para ela que eu preparei tão cuidadosamente o meu legado. Eu queria dar a ela uma marido. Terras. Eu queria que minha vida tivesse esse propósito. Garantir que ela estivesse a salvo, protegida. Que nada nunca pudesse machucá - la. Que a minha sombra, a sombra do pai dela, pudesse olhar por ela e por seus descendentes. Eu deixei a ela apenas luto. Luto por seu pai e depois luto por seus irmãos, um após o outro, numa sucessão; a morte dos pretendentes a sua mão, o saque da sua cidade. O que ela teve de mim? Promessas de banquetes e celebrações, e as cinzas das casas saqueadas. Samilia é a que foi sacrificada. Eu não queria isso. Ninguém queria isso. Mas todos se esqueceram dela".
T. ficou em silêncio. K. não lhe deu nenhuma resposta. Ele não tinha o que dizer. Ele também pensava em Samilia com frequência. Ele tinha se questionado algumas vezes, se era seu dever tentar encontrá - la, se devia protegê - la aonde quer que ela fosse. Mas ele não fez nada. Ele sentia, apesar de sua compaixão para com ela, que aquele não era seu dever. Sua lealdade consistia em esperar por S. Não havia nada além disso. E assim, como os outros, ele deixara Samilia desaparecer. Pois ele sentia que essa era uma mulher sagrada. Sagrada por tudo que havia vivido. Sagrada porque todos eles, um por um, e sem nem perceber que o faziam, a tinham sacrificado"

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